Campanhas de Luxo, Salários de Miséria: A Verdade sobre o Setor do Calçado
O Brilho das Campanhas Publicitárias e a Realidade dos Trabalhadores no Setor do Calçado
A nova campanha "Motherland", lançada pela APICCAPS com a participação do ator José Condessa, mostra o calçado português como um produto sofisticado, tendo como cenário as paisagens naturais dos Açores. Esta campanha faz parte de um longo esforço para melhorar a imagem do setor e torná-lo conhecido em todo o mundo, reforçando a ideia de que Portugal tem a "indústria mais sexy da Europa".
No entanto, os trabalhadores estão fartos de ver tanto marketing falacioso, porque este tipo de publicidade em nada está a ajudar aqueles que realmente sustentam esta indústria: os trabalhadores do setor do calçado, malas e afins. Há vários anos que têm carreiras congeladas, um subsídio de alimentação de apenas 2,5 euros e salários que mal chegam para sobreviver.
Ao mesmo tempo, os trabalhadores assistem, com espanto e revolta, a campanhas de marketing pomposas como esta. Querem enganar quem? Como é possível justificar investimentos milionários em publicidade enquanto as condições dos operários continuam a piorar? Esta discrepância é um insulto a quem, todos os dias, trabalha arduamente para produzir os produtos que tanto orgulham a indústria nacional. A APICCAPS e os empresários precisam de parar de vender ilusões e enfrentar, de uma vez por todas, os problemas reais dos trabalhadores.
A Imagem Bonita vs. A Realidade Difícil
Desde 2010, o setor do calçado tem apostado em campanhas publicitárias com figuras conhecidas para divulgar o produto no exterior. Para além de José Condessa, nomes como Sara Sampaio, Marcelino Sambé, Albano Jerónimo e Victória Guerra também foram protagonistas de campanhas anteriores. Estes rostos famosos ajudam a vender uma imagem luxuosa e moderna da indústria, enquanto os trabalhadores, que verdadeiramente fabricam estes produtos, continuam esquecidos e mal pagos.
Este investimento em comunicação deu resultados positivos, colocando Portugal como o segundo maior produtor de calçado da Europa e aumentando as exportações em 52,2% desde 2009. No entanto, por trás deste sucesso, há um problema importante: os trabalhadores que produzem este calçado continuam a receber salários baixos, muitas vezes próximos do Salário Mínimo Nacional.
Enquanto a APICCAPS e empresários como Luís Onofre se orgulham das suas campanhas e conquistas, os trabalhadores vivem com dificuldades para pagar as contas, sustentar os filhos e garantir uma vida digna. É um contrassenso revoltante: de um lado, temos operários que ganham o salário mínimo, com carreiras congeladas e um subsídio de refeição insuficiente para acompanhar o aumento do custo de vida; do outro, temos empresários como Luís Onofre, com alegadas casas milionárias e carros de luxo. Esta disparidade, enquanto os trabalhadores lutam todos os dias para colocar comida na mesa e pagar as prestações das suas casas, é motivo de profunda indignação.
Como podem estes trabalhadores, que dedicam as suas vidas a produzir calçado de qualidade reconhecida mundialmente, continuar a ser esquecidos? Como pode o sistema recompensar empresários que se beneficiam de apoios governamentais, ao mesmo tempo que pagam salários vergonhosos, desproporcionais ao trabalho árduo e essencial que estes homens e mulheres realizam??
Exclusão dos Sindicatos e Falta de Diálogo
Outro problema é a falta de diálogo com sindicatos representativos, como o SNPIC. Em vez disso, a APICCAPS assinou acordos com o SINDEQ, um sindicato com muito pouca representatividade no setor, que não protegeu verdadeiramente os interesses dos trabalhadores. Acreditamos que esta ação foi tomada apenas para criar uma ilusão de negociação coletiva, permitindo assim que a APICCAPS tenha acesso a dinheiro público e alegue que existe diálogo social. Se esta suspeita se confirmar, trata-se de uma prática extremamente grave e prejudicial para os trabalhadores e para o setor como um todo.
Diante deste cenário, apelamos à criação de uma nova associação patronal, que represente de forma justa e transparente os interesses das pequenas e médias empresas do setor do calçado, malas e afins. É urgente que os empresários se unam contra a tirania e a falta de apoio da APICCAPS, que tem privilegiado apenas um pequeno grupo de beneficiários, em detrimento da grande maioria das empresas e dos trabalhadores. Uma verdadeira representação patronal deve ser capaz de dialogar com todos os agentes do setor e de trabalhar para um futuro mais justo e equilibrado para a indústria.
Recentemente, o Presidente do IAPMEI visitou empresas do setor, como a Luís Onofre, e destacou o sucesso destas organizações. No entanto, esta relação entre o governo e os interesses privados levanta dúvidas sobre como os apoios financeiros estão a ser usados e se estão realmente a beneficiar os trabalhadores.
É profundamente indignante ver o Estado a financiar projetos de uma indústria que, sistematicamente, maltrata os seus trabalhadores. Nós, contribuintes, somos maltratados duplamente: explorados nas empresas e obrigados a financiar, com os nossos impostos, os nossos próprios carrascos.
Nós não queremos ver o Estado a apoiar a exploração. Queremos o Estado como defensor, a obrigar a negociação coletiva anual, realizada de boa-fé por ambas as partes. Infelizmente, até neste aspeto os trabalhadores são reféns. Existe a caducidade dos contratos coletivos, o que significa que estes podem terminar a pedido de qualquer uma das partes, seja pela associação patronal ou pelos sindicatos.
É vergonhoso que, no século em que vivemos, depois de tantas batalhas travadas pelos trabalhadores, ainda seja necessário discutir se a negociação coletiva deve ou não ser obrigatória. Este retrocesso é inaceitável e exige uma resposta firme e unida de todos os trabalhadores e de quem verdadeiramente defende os direitos laborais.
Os Desafios do Envelhecimento da População
O projeto de Fortunato Frederico para criar um centro de dia destinado aos pais dos trabalhadores é uma resposta ao envelhecimento da população. Ele explicou que optou por esta solução em vez de construir creches porque "as pessoas têm cada vez menos filhos e cada vez mais pais idosos".
Esta situação reflete um problema maior: os trabalhadores têm dificuldade em equilibrar a vida profissional com os cuidados familiares. Além disso, o setor enfrenta uma grave falta de mão de obra qualificada, e a que existe está envelhecida. A APICCAPS tem promovido campanhas em escolas para atrair jovens para o setor, mas isto não resolve o problema mais urgente: as condições de trabalho inadequadas e os baixos salários que afastam os trabalhadores e não incentivam a permanência ou a formação de novos profissionais. É um contrassenso querer renovar o setor sem melhorar, em primeiro lugar, a vida daqueles que já trabalham nele. Sem resolver estes problemas estruturais, nenhuma campanha será suficiente para garantir o futuro da indústria.
Valorizar os Trabalhadores: A Verdadeira Prioridade
Os trabalhadores do setor do calçado não são apenas números ou mão-de-obra descartável. São pais e mães de família que trabalham longas horas, em condições muitas vezes exigentes, para que o produto final chegue ao mercado com qualidade. É triste e revoltante que muitos destes trabalhadores recebam apenas o salário mínimo, não porque seja justo, mas porque a lei assim o exige; caso contrário, os patrões pagariam o mínimo possível que quisessem.
Há uma discrepância gigantesca entre os salários dos operadores, os trabalhadores do chão de fábrica, aqueles que realmente fazem o trabalho acontecer, e os salários dos diretores, administradores e empresários. Enquanto estes últimos ganham valores altíssimos, ostentam carros de luxo e vivem com conforto, os trabalhadores enfrentam carreiras congeladas e um subsídio de alimentação tabelado em apenas 2,5 euros. Este valor, que não acompanha o aumento do custo de vida, tem permanecido praticamente inalterado há muitos anos, tornando a vida dos trabalhadores cada vez mais difícil.
A tristeza, a raiva e a indignação crescem ao vermos a diferença entre aqueles que beneficiam diretamente dos frutos do trabalho árduo dos operários e aqueles que mal conseguem sustentar as suas famílias. Enquanto os lucros sobem e as campanhas brilham, a vida dos trabalhadores continua a piorar, e esta realidade deve ser enfrentada e transformada.
Se o setor do calçado quer ter um futuro de sucesso, precisa de valorizar os trabalhadores. Isso significa:
- Aumentar os salários de acordo com o crescimento da indústria;
- Melhorar as condições de trabalho, incluindo segurança e bem-estar;
- Incluir sindicatos representativos nas decisões importantes;
- Criar políticas de apoio à conciliação entre trabalho e vida familiar.
O progresso econômico do setor depende de reconhecer que os trabalhadores são a base de todo o sucesso alcançado. A dignidade do trabalhador deve estar acima das mansões e dos carros de luxo daqueles que se aproveitam do seu esforço.
Conclusão: Um Futuro Mais Justo para o Setor do Calçado
Investir em publicidade e modernização é importante, mas não é suficiente. O setor precisa de enfrentar os problemas reais, como os baixos salários e a falta de diálogo com os trabalhadores. Nós, trabalhadores, precisamos de entender que as nossas condições nas empresas estão diretamente ligadas à associação patronal. Tal como os trabalhadores são sindicalizados em sindicatos laborais, também os empresários são associados a uma associação patronal, que funciona como o sindicato dos patrões.
Embora seja dada uma imagem mais “chique” a essas organizações, no fundo, elas não passam de meros sindicatos, mas com uma diferença importante: os empresários são muito menos do que os trabalhadores, e, mesmo assim, mantêm-se unidos em defesa dos seus interesses. O maior problema não é apenas a falta de diálogo com os trabalhadores, mas sim a falta de união entre nós, trabalhadores. Enquanto continuarmos divididos, será mais difícil combater a desigualdade e exigir condições justas, como salários dignos, carreiras valorizadas e apoio efetivo à nossa vida familiar e profissional.
A valorização dos operários deve estar no centro das prioridades para que o sucesso econômico do calçado português seja justo e duradouro.
O SNPIC continuará a lutar por um Contrato Coletivo de Trabalho justo e por políticas que melhorem as condições de vida e de trabalho dos verdadeiros protagonistas desta indústria.