Lucros e Exportações no Setor do Calçado: Uma Realidade que Contrasta com as Condições Laborais
Nos últimos meses, a APICCAPS intensificou os seus esforços mediáticos para enaltecer a excelência da produção nacional de artigos de pele e calçado. Entre campanhas protagonizadas por figuras públicas e relatórios otimistas sobre exportações recordes, pinta-se um retrato de um setor vibrante, inovador e em constante crescimento. No entanto, por trás desse brilho está uma realidade laboral que a associação patronal evita expor: condições de trabalho precárias, salários estagnados e um setor que depende do mínimo legal para sobreviver.
Os números, de facto, impressionam. As exportações de artigos de pele cresceram 57,4% nos últimos cinco anos, totalizando 310 milhões de euros. O segmento de malas sozinho aumentou 12,9%, atingindo 149 milhões de euros em exportações.
Contudo, este progresso económico não se reflete na vida dos trabalhadores. O subsídio de alimentação permanece nos 2,50 euros diários, o valor mínimo legal. Salários base continuam equiparados ao Salário Mínimo Nacional, ignorando a inflacionária perda de poder de compra e os custos crescentes do custo de vida.
A APICCAPS, enquanto representante de uma indústria que emprega dezenas de milhares de pessoas, prefere focar-se em campanhas publicitárias e eventos glamorosos, negligenciando a discussão de condições de trabalho. Em setembro de 2023, num movimento que gerou profunda indignação entre os sindicatos representativos, a associação celebrou um novo Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) com um sindicato de representação quase inexistente no setor.
As negociações do CCT, que supostamente retomam este mês de janeiro, são vistas com ceticismo pelos sindicatos. Ao mesmo tempo, a APICCAPS continua a beneficiar de financiamento público para promoção e desenvolvimento do setor, alimentando uma narrativa de sucesso que é, na melhor das hipóteses, incompleta.
Os trabalhadores do setor não precisam apenas de marketing. Precisam de uma associação patronal que os respeite e valorize, reconhecendo que o sucesso econômico não é sustentável sem um compromisso com condições laborais dignas.
Afinal, qual é o verdadeiro preço do sucesso? A história do calçado português merece ser contada em toda a sua verdade, não apenas no que brilha nas campanhas publicitárias, mas também no que resiste, dia após dia, nas fábricas e oficinas.